Estudo cruza plantas para desenvolver variedade que possa ser utilizada em produção comercial. Indústria cervejeira importa quase 100% do produto do Hemisfério Norte.
Um dos ingredientes básicos da cerveja, o lúpulo ainda é predominantemente importado de países do Hemisfério Norte e por muitos considerado inviável para o solo brasileiro, mas um pesquisador da Unesp de Jaboticabal (SP) quer mudar essa realidade.
Em seu trabalho de doutorado, Renan Furlan associa melhoramento genético com seleção natural a fim de encontrar uma variedade da matéria-prima capaz de ser produzida em escala comercial nas condições climáticas de nosso país. O projeto é desenvolvido no Núcleo de Estudos em Olericultura e Melhoramento (Neom), sob orientação da professora Leila Trevisan Brás.
A iniciativa recentemente premiada na Alemanha por uma das maiores empresas do mundo no setor do lúpulo pode não só melhorar a qualidade da bebida brasileira, como também baratear seus custos de produção nos próximos anos, segundo ele.
Nomeada cientificamente como Humulus lupulus, a erva se desenvolve com facilidade no clima temperado de países como Estados Unidos e Alemanha, com estações bem definidas e uma incidência solar de até 15 horas por dia.
Um dos elementos da cerveja, ao lado da água, do malte e da levedura, a flor da planta – também chamada de cone – tem substâncias que ajudam a agregar amargor e aroma à bebida, além de propriedades bactericidas.
Apesar de ser o terceiro maior produtor de cerveja do mundo – são 14,1 bilhões de litros por ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) -, o Brasil produz menos de 1% do lúpulo usado nas indústrias.
Iniciativas como a do lúpulo de Tuiuti – que se viabilizou comercialmente na Serra da Mantiqueira a partir de um cultivar norte-americano que por acaso sofreu uma mutação – visam acabar com essa dependência, mas o nível de produtividade ainda é baixo.
“O mercado consumidor está aí. Uma coisa que acontece é que dificilmente o lúpulo da safra atual do Hemisfério Norte chega ao Brasil, ela é toda consumida lá. O que chega aqui é o que sobrou dos outros anos, de duas, três safras atrás”, afirma Furlan.
Cruzamento de cultivares
A pesquisa de Furlan consiste em criar espécies desde a fase da germinação das sementes. O objetivo é que parte delas, dentro de uma seleção natural, se sobressaia por se adaptar a características predominantes de um clima tropical, como temperaturas altas, menor incidência solar e estações menos definidas.
A ideia surgiu há dois anos, depois que o pesquisador conheceu o trabalho do engenheiro agrônomo Rodrigo Veraldi Ismael, que conseguiu cultivar o Mantiqueira, considerado o primeiro lúpulo brasileiro. Em 2011, Ismael plantou a erva em São Bento do Sapucaí (SP) a partir de mudas Cascade, dos Estados Unidos, mas a plantação não vingou e foi jogada em uma área de descarte de matéria orgânica.
O que não se esperava, no entanto, é que uma das mudas sobrevivesse e, mais que isso, sofresse uma mutação e se adaptasse à região.
“Procurei o Rodrigo, entrei em contato com ele e fui lá visitar a propriedade dele. A partir daí comecei a pesquisar mais sobre lúpulo, fui encontrando mais algumas pessoas que plantavam aqui no Brasil e decidi que iria fazer o doutorado com lúpulo”, explica Furlan.
Diante de buscas como essa, que o levaram a conhecer pessoas de Brasília, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul que conseguiram plantar lúpulo importado, Furlan chegou à conclusão de que havia uma ideia equivocada em torno do cultivo da erva.
O problema em questão, de acordo ele, não está em plantar, mas sim em encontrar variedades cuja produção seja viável do ponto de vista comercial e interessante aos olhos dos cervejeiros.
“Um dos principais conceitos errados do lúpulo é de que necessita de 13 a 14 horas de luz por dia. Ele não necessita, é uma planta de dia curto, ou seja, com oito horas de luz por dia ela floresce, mas quando você fornece mais do que essas oito horas e oferece essas 13, 14 horas, a produtividade aumenta muito. O que acontece com muitas pessoas é que a planta está crescendo, só que não tem uma cara comercial.”
Para conseguir encontrar uma espécie que atenda às expectativas do mercado, desde 2017 Furlan cruza três cultivares masculinos com outros 13 femininos – o lúpulo é uma planta dioica, ou seja, têm espécies de sexos diferentes e a flor utilizada na produção de cerveja vem da planta feminina.
A partir das 39 combinações inicialmente possíveis, que consistem em polinizar as flores femininas, o pesquisador aos poucos obtém novas sementes.
A partir de então, elas são submetidas a um ambiente refrigerado a 5 graus por dois meses. Em seguida, as sementes são colocadas em bandejas dentro de estufas com irrigação controlada de três minutos a cada quatro horas.
Somente depois que as plantas florescem é possível diferenciar as variedades femininas, que serão levadas para o plantio no campo para um período estimado de cinco meses até a colheita. As masculinas, por sua vez, são guardadas para futuros testes.
Até agora, Furlan confirma ter conseguido germinar cultivares originários de quatro combinações sob temperaturas de até 30 graus e incidências solares de até 13 horas por dia. “Muitas germinam e já morrem, isso já é uma seleção natural.”
O objetivo, até o final do estudo, é submeter novos cultivares a diferentes condições climáticas do Brasil, além da região Sudeste, a fim de apontar seu potencial de produção e comercialização.
As variedades que serão submetidas a testes, segundo ele, serão aquelas que, em um primeiro momento, se mostrarem mais produtivas e menos suscetíveis a doenças.
“A partir daquela planta eu posso podá-la inteira, transformá-la em centenas de clones. Desses clones já se pode ir para o comercial, mas como é melhoramento é um processo demorado”, diz.
Ele estima que, havendo mais incentivos à pesquisa, em até quatro anos os cultivares poderiam começar a ser produzidos em escala comercial para suprir a indústria nacional. “Acredito que possa ser uma cultura de relativa importância daqui a alguns anos.”